O mais jovem país africano, o Sudão do Sul, está à beira da catástrofe. Quatro meses e meio de guerra civil provocaram já milhares de mortos e mais de um milhão de refugiados e deslocados. Paira a ameaça de fome generalizada e as Nações Unidas alertam para a iminência de um «desastre humanitário».
A alta comissária da ONU para os direitos humanos, a sul-africana Navi Pillay, e o conselheiro especial do secretário-geral Ban Ki-moon para a prevenção de genocídios, o senegalês Adama Dieng, deslocaram-se ao Sudão do Sul em finais de Abril. Reuniram-se em Juba, a capital, com o presidente Salva Kiir e vários ministros, e deslocaram-se a Nassir, na fronteira com a Etiópia, onde se avistaram com o líder rebelde, Riek Machar.
Os dois responsáveis onusinos verificaram a drástica deterioração da situação resultante do conflito, em que há «graves violações de direitos humanos». Denunciaram assassinatos em massa de civis, incluindo crianças e mulheres, e execuções sumárias por tropas de ambos os lados. Realçaram que «é essencial que o povo sul-sudanês e a comunidade internacional pressionem os líderes políticos do país para que eles parem de arrastar cegamente o seu povo no caminho da autodestruição». E advertiram Kiir e Machar sobre as consequências dos crimes de guerra e contra a humanidade que estão a ser cometidos.
Entre essas atrocidades figuram ataques a escolas, hospitais e postos de saúde. Recrutamentos à força de mais de nove mil crianças pelos dois exércitos. Violações e raptos de meninas e mulheres.
Pillay e Dieng avisaram também que a época de colheitas deste ano está perdida, «com resultados devastadores na oferta de alimentos», e que as agências humanitárias no terreno receiam que haja falta de comida em breve. E manifestaram-se «chocados» com a indiferença dos dirigentes sul-sudaneses perante o risco de fome generalizada.
A comunidade internacional foi igualmente criticada pela lentidão com que tem reagido à catástrofe no Sudão do Sul. Por exemplo, a força de paz das Nações Unidas, que em Dezembro o Conselho de Segurança da ONU decidiu reforçar, passando de 7700 para 13 200 soldados, ainda não está completa. Na frente humanitária, as agências pedem mais fundos, já que necessitam de assistência 4,9 milhões de pessoas, número que crescerá se a violência não cessar.
Lágrimas de crocodilo
Enquanto a guerra fratricida prossegue, no plano político e diplomático sucedem-se visitas e declarações.
O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, visitou Juba na terça-feira, durante algumas horas, e repetiu que há riscos de «genocídio» e «fome» se a guerra não for travada no país.
Na véspera, o secretário de estado norte-americano, John Kerry – num périplo por África que incluiu o Sudão do Sul e a Etiópia – repetiu a ameaça de sanções e de «graves consequências» contra os responsáveis pelo conflito. Isto, no momento em que forças governamentais e rebeldes combatiam pelo controlo de Bentiu, capital da província petrolífera de Unidade que já mudou de mãos várias vezes desde o começo da guerra.
Kerry exortou o presidente Salva Kiir e o seu antigo vice-presidente Riek Machar, demitido em Julho de 2013 e agora chefe dos insurrectos, a respeitar o cessar-fogo assinado em Janeiro deste ano e nunca aplicado. «As duas partes devem resolver os diferendos na mesa de negociações e não através de acções militares», acrescentou, pressionando os dois líderes a chegar a acordo para discussões directas entre eles e a retomar as conversações em Addis Abeba, mediadas por países da região.
O Sudão do Sul tornou-se independente em Julho de 2011, separando-se do Sudão depois de duas décadas de conflito (1983-2005) entre Cartum e a rebelião sulista de que Kiir e Machar eram altos dirigentes. Os Estados Unidos apoiaram o movimento separatista e apadrinharam a independência do país, de 11 milhões de habitantes, rico em petróleo – explorado por companhias de diversos países, entre os quais a China.
Em Dezembro passado, os antagonismos entre o presidente e o antigo vice-presidente degeneraram em conflito armado, que se transformou rapidamente numa sangrenta guerra civil, com a emergência de rivalidades étnicas entre os dinka, de Kiir, e os nuer, de Machar.
O caso do Sudão do Sul não é único na África de hoje. Os imperialistas, na estratégia de dominação dos povos e pilhagem das suas riquezas, aliam-se a sectores corruptos das burguesias indígenas, criam divergências étnicas e religiosas, dividem estados, fomentam guerras, se necessário intervêm militarmente como na Líbia, no Mali e na República Centro-Africana. E depois, para camuflar os seus crimes, derramam lágrimas de crocodilo e exigem a paz…